À perda inestimável da memória.

30/07/2021 15:25


O recente incêndio da Cinemateca nos coloca frente a um cenário desolador. Não se trata apenas de um edifício em chamas, mas da conversão em cinzas de um patrimônio cultural público. E como é de responsabilidade do governo a gestão desses espaços de memória, não há como entender de outro modo o descaso que produziu a tragédia: trata-se de um projeto político.

É político tudo aquilo que permite ou impede a existência. Contar a história dos povos indígenas a partir do ponto de vista do europeu colonizador é político porque nega o acesso à voz e constrói o outro como o primitivo e o conquistado. Não permitir que um povo conte sua história é impedir que tenham consciência de sua própria trajetória, que se fragilizem e enfraqueçam a própria força. Um povo sem memória para contar fratura a própria identidade, e só consegue narrar as histórias da nação a partir da lacuna.

O que aconteceu com a Cinemateca não se trata de algo novo. Se já caiu no esquecimento a memória de outros incêndios – O incêndio do instituto Butantã em 2010, o incêndio no Memorial da América Latina em 2013, o incêndio no Museu da Língua Portuguesa em 2015, o incêndio do Museu Nacional do Brasil em 2018 – é porque as cinzas transformaram a lembrança em pó, em monturo, em nada.

Mas a incapacidade de resgatar a história e de recordar – palavra que significa devolver de volta ao coração – não pode produzir a apatia e a impossibilidade de falar. Que se produzam vozes de protesto e repúdio, que se produzam manifestos e atitudes, que se produzam ruídos e balbúrdias contra a desestruturação e o desmonte daquilo que já somos. Que protestemos contra os governantes por nos desejarem impotentes e ignorantes do que estamos. Apenas juntos podemos devolver ao coração o que é seu: a recordação, a memória, o nós de nossa história.

Manifesto dos cineclubes Cinema Mundo e Cine Paredão da UFSC.
Imagem de: @raphabagas